segunda-feira, 25 de outubro de 2010

la mécanique du coeur - 1

Sua decadente aparência refletia a confusão interna pela qual estava passando. Chorava e se agarrava a mim, o que realmente me enojava, não somente pelo roçar de seu rosto sujo e úmido em meu corpo, mas também pela tolice de tais a atos. O que eu considerava como somente uma casual noite de prazer, para ele era algo que valia toda sua dignidade. Ele precisava impedir minha ida, fazer com que eu soubesse de seu amor secreto. Ou talvez nem tão secreto, já que eu percebia seus sinais de desejo, sinais que apareciam em diversas situações, nas quais eu aproveitava para brincar impiedosamente com seus sentimentos, levando-o ao mais alto nível, prestes a cruzar a tênue linha do próximo passo, para que sua queda fosse colossal. Era divertido.

Mas mesmo assim, não achei que os sentimentos de Jorge fossem tão sérios. Sabia que eu o magoava com meus joguinhos, mas era algo trivial e sem importância ao meu ver. Ele realmente me amava. Mas para mim, ele era somente um amigo com o qual eu transei. Fora bom, mas nada indispensável e memorável. Eu tinha vários outros parceiros que nem ele. O que é extremamente irônico já que, para ele, eu era único.

As coisas já não estavam tão divertidas. A situação era mais constrangedora do que comovente e isso me cansou. Dei-lhe um chute e agarrei-o pelos cabelos. Gritei em seu ouvido todo o asco que sentia por aquela situação. Por ele.

Quando o soltei, Jorge estacou. Emanava uma aura de desolação, com seus olhos profundamente vazios, um horror inexpressivo. Ele levantou-se, mesmo perturbado, foi tentando recompôr-se enquanto pegava o que era seu. Vestiu-se e saiu do apartamento, dando-me um último olhar ininteligível. Talvez fosse um olhar de súplica. Suplicava para que eu não fosse embora de sua vida, eu sabia disso. Mas quem saiu sem dizer palavra havia sido ele. Não que eu esperasse que ele dissesse algo, mas era a escolha dele.

E, como vim a saber posteriormente, foi escolha dele partir de sua própria vida. Ele sempre fora exagerado, mas chegar a tal ponto? E por mim? Admito, senti um certo orgulho, uma vaidade. As pessoas morriam por mim, literalmente.

Um comentário:

felipe ! disse...

Triste, mas bem impressionante. As vezes o lado da vítima é demais, é melhor ouvir as coisas do outro lado, com requintes de crueldade inocente...